O juiz Fernando Antônio de Lima, da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Jales, em decisão que já circula nos tribunais, condenou a Fazenda do Estado de São Paulo a pagar indenização de trinta mil reais a título de danos morais. A causa originou-se quando a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, em um processo de acesso à saúde, utilizou linguagem transfóbica e estigmatizante ao tratar de uma autora que buscava tratamento hormonal pelo Sistema Único de Saúde. No processo original, a autora pleiteava o direito de receber hormonioterapia, alegando que a ausência de acesso ao tratamento configurava violação de seu direito à saúde e à dignidade. Em resposta, a Procuradoria afirmou que o SUS disponibiliza tratamento “para pacientes com a doença do autor”, equiparando a transexualidade a uma patologia. O órgão também se referiu à autora como “autor” em diversas oportunidades, ignorando sua identidade de gênero, e destacou de forma proeminente seu nome de registro masculino. Sentindo-se discriminada e com sua identidade negada, a autora ajuizou nova ação, agora buscando reparação por danos morais. Ela argumentou que o uso de termos desrespeitosos e a insistência em referir-se ao seu nome masculino causaram sofrimento psicológico e reforçaram estigmas transfóbicos. Em sua defesa, a Fazenda Pública de São Paulo sustentou que a padronização de documentos é necessária devido ao grande volume de processos que a Procuradoria lida diariamente. Segundo o órgão, o uso do nome de registro estava correto no momento da petição inicial e não houve dolo ou intenção discriminatória. A defesa alegou que o equívoco poderia ter sido corrigido com simples pedido de retificação e que o termo “patologia” era apenas uma linguagem técnica, referindo-se à classificação internacional de doenças que contempla a disforia de gênero. O magistrado, ao analisar os argumentos, rejeitou a tese de padronização e concluiu que a linguagem adotada pela Procuradoria gerou violência simbólica. Ele entendeu que a forma de comunicação violou direitos fundamentais e reforçou a discriminação histórica contra mulheres trans, configurando “discriminação processual institucional”. Para o juiz, o sistema de trabalho da Procuradoria não pode justificar a supressão de direitos humanos. O juiz destacou que o Estado de São Paulo impediu que a autora desenvolvesse o projeto de vida que lhe é próprio, o que caracteriza dano ao projeto existencial e dignidade. Ele ressaltou que o Estado tem responsabilidade civil objetiva, de modo que a culpa ou dolo não são requisitos para a condenação; basta provar a conduta estatal, o dano e o nexo causal entre ambos. Além disso, o magistrado apontou que a conduta da Procuradoria violou normas constitucionais, internacionais e os próprios protocolos do Conselho Nacional de Justiça sobre julgamentos com perspectiva de gênero e raça. Ele ressaltou que a lesão ao bem jurídico é gravíssima, pois agrava a estigmatização de uma mulher transexual em um processo judicial no qual já se buscava o direito à hormonização corporal. Com a decisão, o juiz reforçou a necessidade de sensibilidade e respeito no trato de pessoas trans dentro do sistema judiciário. A sentença, publicada no Diário da Justiça, serve como precedente para que órgãos públicos adotem linguagem inclusiva e evitem práticas que perpetuem o preconceito. Para mais detalhes sobre a decisão, o público pode consultar o processo 1006256-50.2025.8.26.0297 no portal do tribunal. #transfobia #direitoshumanos #calacaepaiva
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