O texto em questão discute a obrigação constitucional e legal do juiz de motivar a decisão de recebimento da denúncia, exigindo a apreciação das teses defensivas apresentadas na resposta à acusação. Essa exigência se fundamenta nos princípios do contraditório, da ampla defesa e da motivação das decisões, previstos no artigo 93, IX, da Constituição e nos artigos 396‑A e 397 do Código de Processo Penal.
O caso central refere‑se ao AgRg no HC 740.253/SP, julgado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em junho de 2025. Na fase inicial, o juiz recebeu a denúncia e não analisou o pedido de nulidade de prova, gerando impetração de habeas corpus pela defesa. O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que a decisão de recebimento da denúncia, sendo interlocutória simples, não exigia motivação exaustiva, bastando a fundamentação sucinta. A defesa, porém, recorreu ao STJ, onde o ministro Antônio Saldanha Palheiro manteve a tese de que a decisão interlocutória não requer fundamentação complexa, citando precedentes como AgRg 535.321/RN e AgRg 114.422/SP.
Contudo, o ministro Otávio Toledo, ao julgar o agravo regimental, divergiu ao afirmar que o juiz de origem omitiu ponto essencial: a prova da materialidade delitiva. Tal omissão, segundo ele, violaria o artigo 93, IX, pois impede que o acusado conheça e refute as razões da decisão, configurando prejuízo à ampla defesa. O entendimento de Toledo foi acompanhado pelos ministros Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz, resultando na deferência do pedido da defesa.
O debate gira em torno do que caracteriza “motivação não exauriente”. Se a análise da autoria delitiva não deve ser exaustiva, pois ainda se baseia em elementos preliminares, a exigência de motivação implica que o juiz não pode simplesmente ignorar ou descartar qualquer tese defensiva. O artigo 315, §2º, inciso IV, do CPP reforça que nenhuma decisão, interlocutória ou sentença, deve deixar de enfrentar argumentos capazes de infirmar a conclusão adotada.
Assim, a decisão de recebimento da denúncia deve conter, de forma clara e sucinta, a verificação dos requisitos formais da peça acusatória (artigo 41 do CPP), a presença dos pressupostos processuais, a existência de justa causa (artigo 395 do CPP) e a demonstração do lastro probatório mínimo que autoriza a persecução penal. Essa motivação garante ao acusado ciência dos motivos que o levam a processo penal, permitindo-lhe exercer o contraditório e a ampla defesa, além de evitar a estigmatização e os custos psicológicos de uma tramitação desnecessária.
O princípio da presunção de inocência, refletido no in dubio pro reo, impõe que a dúvida recaia sobre o Estado, e não sobre o réu. Portanto, na fase de admissibilidade, o ônus da dúvida deve ser do autor da ação penal, enquanto o acusado permanece presumido inocente. A motivação das decisões, mesmo que não exaustiva, serve para controlar a racionalidade do juízo, evitar o decisionismo e legitimar o poder jurisdicional por meio do diálogo entre as partes.
Em conclusão, a 6ª Turma do STJ reconheceu corretamente que, embora a motivação não precise ser exaustiva, a decisão de recebimento da denúncia deve abordar todas as teses defensivas apresentadas. A omissão de pontos substanciais compromete a ampla defesa e fragiliza a legitimidade do processo penal.
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